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O Corpo na Primeira Página:

Por que começar com a morte fisga o leitor?


Abrir um livro e encontrar um cadáver logo na primeira linha é como levar um soco no estômago — inesperado, direto, impossível de ignorar. Essa técnica, muito utilizada em romances policiais, thrillers e histórias de terror psicológico, tem um objetivo claro: prender o leitor desde o primeiro parágrafo. E, quando bem executada, funciona com maestria.


Mas o que há de tão magnético nessa escolha narrativa? Por que tantos autores recorrem a ela?


A resposta é mais profunda do que parece. A morte, especialmente quando apresentada de forma abrupta, ativa uma série de respostas emocionais e cognitivas no leitor. O ser humano, por natureza, é curioso, e diante da morte, essa curiosidade se intensifica. Quem morreu? Como? Por quê? Quem estava por perto? Havia sinais? Essas perguntas surgem naturalmente, e é justamente nelas que o autor se ancora para construir sua teia de mistérios.


Além disso, esse tipo de abertura estabelece um tom imediato para a obra. Não há espaço para sutilezas ou enrolações: o leitor já sabe que está diante de uma história sombria, onde o tempo é precioso e onde há algo profundamente errado acontecendo.


Um bom exemplo dessa técnica pode ser encontrado em “O Chamado do Cuco”, de Robert Galbraith (pseudônimo de J.K. Rowling). A narrativa se inicia com o suposto suicídio de uma supermodelo. Ainda que não saibamos nada sobre a vítima, nem mesmo se foi de fato um suicídio, o leitor já mergulha num clima de urgência e tensão. O enigma é lançado antes mesmo da apresentação formal dos personagens e é isso que nos mantém virando páginas.


Agatha Christie também era mestra nesse artifício. Em “Assassinato no Expresso do Oriente”, o crime ocorre logo no início. A partir daí, o foco recai não mais no que aconteceu, mas em quem fez aquilo e quais eram os motivos escondidos por trás de cada aparente inocência.


Naturalmente, escolher começar com essa forma chocante, exige cuidado. Há uma diferença clara entre uma abertura impactante e uma abertura gratuita. A morte no primeiro parágrafo precisa ter peso narrativo, não basta colocar um corpo ali por efeito dramático. O ideal é que esse acontecimento inicial seja o ponto de partida de uma teia de revelações, enganos, segredos e reviravoltas que só serão compreendidos ao longo da narrativa.


E isso afeta a construção dos personagens. Se a vítima for apresentada apenas como um corpo sem identidade, o impacto pode ser mais superficial. Mas quando o autor sugere que aquela morte tem implicações maiores — emocionais, políticas, familiares ou psicológicas —, o leitor se envolve não só com a investigação, mas com as camadas humanas por trás daquele crime.


Autoras como Gillian Flynn, por exemplo, exploram essas complexidades com maestria. Em Lugares Escuros, conhecemos Libby Day, única sobrevivente de um massacre familiar. A dor da perda se mistura com a ambiguidade da memória, e o corpo não está apenas presente fisicamente: ele reverbera na mente da protagonista e no imaginário do leitor.


Se você é escritor ou escritora e está pensando em como começar sua história, considere a força que existe no silêncio de um cadáver. Pense no que ele representa: fim, sim, mas também origem. Um corpo pode ser o ponto zero de uma jornada que se move entre pistas, fantasmas e verdades desconfortáveis.


No fundo, talvez seja essa a maior sedução de uma morte logo na primeira linha: a promessa de que, mesmo num mundo de trevas, alguém — seja um detetive, uma vítima sobrevivente ou o próprio leitor — vai tentar iluminar o caminho.


Agora quero saber de você:

Qual foi o livro que te prendeu logo na primeira linha? Você curte esse tipo de começo mais impactante, com um corpo na cena inicial, ou prefere um suspense que vá crescendo aos poucos?


Deixe sua opinião nos comentários — sua leitura pode inspirar outros leitores (e escritores!) por aqui.


E se você gostou deste artigo, aproveite para explorar outros textos no blog.


Nos vemos no próximo post!


 
 
 

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